Perceção e Aquisição da Linguagem - Sónia Frota e Cristina Name
Perceção e Aquisição da Linguagem
Sónia Frota e Cristina Name
Frota, S. & C. Name (2017) Questões de perceção em língua materna. In Maria João Freitas & Ana Lúcia Santos (eds.), Aquisição de língua materna e não materna: Questões gerais e dados do português, 35–50. Berlin: Language Science Press.
Acesso ao texto completo em https://repositorio.ul.pt/
Durante muito tempo, a pesquisa em aquisição da linguagem concentrou-se no estudo da compreensão e da produção de enunciados pela criança. Porém, quando a criança começa a responder ao adulto ou a outra criança, seja através de gestos ou da fala, demonstrando que entendeu o que foi dito, ela já sabe muito sobre a língua da sua comunidade. Por volta dos dois anos, já conhece várias palavras e suas posições na frase; já percebe relações de concordância, por exemplo, de género, entre artigos e nomes; já é capaz de combinar duas palavras produzindo frases simples.
Mas como, em tão pouco tempo, a criança é capaz de conhecer tanto sobre a língua que está a ser adquirida? Os estudos sugerem uma sensibilidade precoce do bebé a uma série de propriedades da fala (ver Secção 4). No final da sua gestação, o feto já perceciona o contorno melódico – uma parte da prosódia – da língua materna e reconhece a voz da mãe. Bebés recém-nascidos preferem ouvir sons linguísticos em detrimento de sons não linguísticos, e também preferem a fala normal, comparada com a fala apresentada de trás para frente; discriminam línguas não ouvidas anteriormente, com base no ritmo (por exemplo, inglês versus japonês); percebem características acústicas que podem sinalizar a fronteira entre uma palavra e outra; e são ainda capazes de distinguir itens funcionais de itens lexicais, também a partir de suas características acústicas (Gervain & Mehler 2010).
Com o contacto com a língua materna, a perceção do bebé vai se especializando naquilo que é específico da língua materna (Kuhl 2004). Inicialmente, o bebé é sensível a contrastes fonéticos mesmo quando não são produtivos na sua língua, sendo capaz de discriminar vogais e consoantes de diferentes línguas, às quais nunca foi exposto. Em torno dos seis meses, há uma perda de sensibilidade às vogais que não fazem parte de sua língua, e o mesmo ocorre a partir dos dez meses em relação às consoantes. Por volta dos nove meses, o bebé torna-se sensível à forma típica das palavras, à fonotática (as sequências de fonemas permitidas) e às regularidades distribucionais de sequências de fonemas da língua em aquisição. Todo este desenvolvimento na perceção da fala ocorre ainda antes de o bebé produzir as primeiras palavras.
Portanto, desde os primeiros dias de vida, os bebés são sensíveis a uma série de propriedades sonoras da fala e são capazes de processar os estímulos linguísticos de dada maneira, de modo que a aquisição da língua começa, de facto, muito cedo, possivelmente antes mesmo do seu nascimento, no caso de bebés ouvintes. Tal processamento dos estímulos linguísticos decorreria de habilidades percetivas – mecanismos ou primitivos percetivos – que permitiriam ao bebé analisar, tratar a fala, atentando (inconscientemente) para algumas das suas características. Por sua vez, essas características sinalizariam propriedades abstratas da língua – de qualquer língua natural – , que não se apresentam explicitamente nos enunciados, como a identificação das palavras, a ordem das palavras (Sujeito-Verbo-Objeto), a categoria e função das palavras, as relações morfossintáticas (concordância verbal, concordância nominal…), ou propriedades discursivas e pragmáticas (tipos de frase, informação nova). Dessa maneira, a perceção de tais características sonoras parece ser crucial para o desencadeamento da aquisição da língua.
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