A relação entre adultos e crianças na Educação Infantil: reflexões emergentes no Observatório da Cultura Infantil -OBECI


A relação entre adultos e crianças na Educação Infantil: reflexões emergentes no Observatório da Cultura Infantil - OBECI 

Paulo Sergio Fochi¹
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
paulo.fochi@hotmail.com
In Educação Unisinos 
volume 24, 2020 (19054)

¹  Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e Coordenador do Observatório da Cultura Infantil (OBECI)

 
Resumo: Este artigo aborda a relação entre adultos e crianças na Educação Infantil a partir de reflexões emergentes em um contexto de investigação em uma comunidade de apoio ao desenvolvimento profissional nomeada como Observatório da Cultura Infantil – OBECI. A partir da herança teórica proveniente das pedagogias participativas, neste texto, são discutidos alguns aspectos que podem orientar os profissionais desta etapa da Educação Básica a constituírem sua profissionalidade. O debate emergente é sustentado nessa comunidade a partir dos pressupostos da Documentação Pedagógica que, neste caso, serve para a construção do conhecimento praxiológico. A investigação de origem deste artigo se vale da investigação praxiológica como metodologia interessada nos estudos da transformação. Assim, a nível de conclusão, no artigo são apresentadas três categorias para orientar a relação entre adultos e crianças: o acolhimento ao universo da criança, não criar dependência e não criar abandono e as relações como coração da Pedagogia. 

Palavras-chave: Documentação Pedagógica; Pedagogias participativas; Investigação praxiológica; Desenvolvimento profissional; Relação entre adultos e crianças.


Notas introdutórias

A reflexão apresentada neste artigo é derivada de uma investigação de doutorado (FOCHI, 2019a) realizada em uma comunidade de apoio ao desenvolvimento profissional, o Observatório da Cultura Infantil – OBECI, formada por cinco escolas de Educação Infantil da região metropolitana de Porto Alegre. Sublinha-se, neste texto, a construção do conhecimento praxiológico sustentada por um processo de investigação e formação a partir da Documentação Pedagógica. Para tornar visíveis os processos de transformação, que são o mote para a construção do conhecimento praxiológico, a pesquisa valeu-se dos pressupostos da investigação praxiológica. A partir dessa abordagem metodológica, o acolhimento das diferentes vozes, além de ser uma exigência ética, também é uma estratégia para abrir as portas para a compreensão, o diálogo e a circularidade do conhecimento situado e contextualizado.O conhecimento praxiológico que emergente dos processos de formação desenvolvidos no OBECI tem orientado os professores a problematizar e refletir a respeito do que se tem nomeado como Organizadores da Ação Pedagógica, ou seja, a organização do espaço, a oferta de materiais, a gestão do tempo, as dinâmicas de organização de grupos e a relação entre adulto e criança. Neste artigo, discute-se especificamente a relação entre adulto e criança em creches e pré-escolas, pois entende-se como um dos organizadores transversais aos demais e estruturante para a transformação do cotidiano pedagógico. 

OBECI: uma comunidade de apoio ao desenvolvimento profissional

Desde o começo do OBECI, apoiado pela Documentação Pedagógica, a pergunta-chave que tem guiado o trabalho desta comunidade é como organizar a vida cotidiana da instituição de Educação Infantil de modo a evidenciar o papel da criança no processo educativo e a convidar a reposicionar o papel do professor e a construir um contexto educativo de qualidade? Tal pergunta revela uma premissa importante: as atividades da vida cotidiana são a espinha dorsal do trabalho pedagógico na Educação Infantil, pois nelas reside um verdadeiro laboratório de cidadania, de participação, de aprendizagem e de pertencimento a um dado contexto. Além disso, expressa um dos principais desafios que se tem enfrentado no campo da Educação Infantil: reposicionar a criança e o adulto na relação educativa, superando visões assistencialistas e escolarizantes.

Tenho percebido que, nesta etapa da Educação Básica, há uma mescla entre as pedagogias diretivas (centradas no adulto e que perdem a criança) e as pedagogias não diretivas (centradas na criança e que perdem o adulto) como predomínio das práticas pedagógicas. Explicitar isso nos contextos participantes do OBECI tem nos ajudado a buscar a pedagogia que se pretende desenvolver e, mesmo nas inúmeras contradições que significa fazer essa busca, a tentar afirmar uma pedagogia relacional e participativa que reconheça a centralidade da criança mas que também saiba identificar a importância do papel do adulto no processo educativo. Ou seja, como Malaguzzi (1972; 1988) sempre afirmou, para conseguir reconhecer a competência da criança, é preciso ter adultos competentes também.

Uma vez que a discussão desenvolvida neste artigo é situada, é preciso explicitar alguns aspectos relativos à constituição do OBECI, já que é nele que emerge o conhecimento praxiológico aqui apresentado.

A Documentação Pedagógica como estratégia para investigar o cotidiano praxiológico

Malaguzzi (1988), referindo-se ao papel do professor na Documentação Pedagógica, afirma que refletir sobre a prática é um comportamento vital. A vitalidade da nossa comunidade é sustentada por esse comportamento de quem busca observar a cotidianidade da Educação Infantil para construir um conhecimento situado que responda às perguntas de gestoras, coordenadoras pedagógicas, professoras e as minhas, como pesquisador. Perguntas que estão inscritas no campo pedagógico e que refletem a insatisfação e a busca curiosa, como dizia Paulo Freire (1979), de quem deseja migrar para outros lugares conceituais e emocionais. Perguntas que não aceitam respostas rápidas e que acolhem a temporalidade das soluções, buscando com otimismo a transformação cotidiana de todos os processos educativos. É nesse cenário que a Documentação Pedagógica aparece, uma vez que, “[...] pela especificidade dessa abordagem, perguntar-se sobre as demandas da prática pedagógica, da ação docente e sobre as crianças gerando a produção de um conhecimento dinâmico e atualizado” (FOCHI, 2015, p. 149).

A Documentação Pedagógica não cabe em uma pedagogia qualquer, ao contrário, é uma estratégia que responde ao intento da família das pedagogias participativas, pois reivindica uma outra imagem de criança e adulto, situando-se em uma perspectiva de conhecimento aberto à construção de sentidos (PINAZZA; FOCHI, 2018). A razão que justifica essa afirmação é o fato de que a pedagogia e a Documentação Pedagógica têm no cotidiano o locus para a construção do conhecimento praxiológico. Nesse sentido, “o ethos central das pedagogias participativas é a práxis diária de observar, escutar, documentar e responder às crianças, apoiando-se nos processos críticos da documentação de situações de aprendizagem” (OLIVEIRA­FORMOSINHO, 2016c, p. 110, grifo do autor).
Nesse viés, a Documentação Pedagógica é uma estratégia potente para apoiar o professor na reflexão sobre as crianças e sobre sua própria identidade (MALAGUZZI, 1968; HOYUELOS, 2006; FOCHI, 2013; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016c). Isso porque dá ao adulto a agência que lhe é necessária para efetivamente construir a educação como porta para a cultura (BRUNER, 1997; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016c). Além disso, oferece ao campo da pedagogia os elementos fundantes – prática e teoria – para a atualização do próprio campo (VECCHI, 2013; FOCHI, 2013; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016c) e transforma-se em importante instrumento para o fortalecimento de uma identidade para a Educação Infantil (MALAGUZZI, 1968).
Oliveira-Formosinho (2016c) refere-se à recriação do papel das crianças como um processo revolucionário. Para a autora, “o direito das crianças à aprendizagem, visto como uma experiência vivida, cultural e democrática, desafia os educadores a serem pensadores profundos a respeito das identidades das crianças, bem como a respeito das suas próprias identidades e papéis” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016c, p. 114). Na busca por essa reflexividade do professor que acolhe o universo das crianças e da escola como um espaço privilegiado para a construção de conhecimentos, deparamo-nos, pois, com a necessidade de uma outra pedagogia.
São dois os processos coexistentes que envolvem a estratégia da Documentação Pedagógica: um está relacionado ao modo como o professor planeja, organiza e cria estratégias de aprendizagem e o outro está relacionado à forma como torna visíveis as aprendizagens das crianças. Portanto, o processo de comunicar as experiências das crianças na escola é um dos pilares que estruturam a abordagem da Documentação Pedagógica, mas não o único.
Entendo que a Documentação Pedagógica constrói um novo sentido ao termo didática, ressignificando-a com um especial sentido investigativo da vida cotidiana e com um valor testemunhal de uma imagem de criança, adulto e escola. Portanto, para nós, do OBECI, o comportamento investigativo que temos desenvolvido a partir da estratégia da Documentação Pedagógica é um ato de aprender. Aprender a pensar sobre a prática e a reconhecer os caminhos que estamos trilhando. Aprender sobre os modos como as crianças aprendem e sobre os modos como vamos nos constituindo professores de crianças, formadores de professores, gestores de Educação Infantil, pesquisadores de processos de formação de professores de Educação Infantil. É uma aprendizagem negociada (FORMAN; FYFE, 2016), compartilhada (CRAFT; PAIGE-SMITH, 2010) e em companhia (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007).

As crenças formativas: a formação em contexto para gerar desenvolvimento profissional

A ideia de denominar esse grupo de Observatório da Cultura Infantil está diretamente vinculada a um dos pilares centrais da Documentação Pedagógica: a escuta. Para escutar, na perspectiva malaguzziana, é preciso aprender a observar os modos como a criança se relaciona com o mundo, como ela produz suas teorias (MALAGUZZI, 2001). Ou seja, é um modo ativo de pensar o trabalho educativo que envolve “[...] um processo cooperativo que ajuda o professor a escutar e observar as crianças com quem trabalha, possibilitando, assim, a construção de experiências significativas com elas” (GANDINI; GOLDHABER, 2002, p.150). Desse modo, a proposta do OBECI, como um lugar legítimo para o debate ampliado e de confronto a respeito das práticas educativas, é despertar no adulto a sua capacidade para ver criticamente a pedagogia latente nas escolas, reveladas por aquilo que está em curso na vida cotidiana da instituição. Além disso, a proposta visa compreender e interpretar as atuações das crianças para, então, saber planejar e projetar a continuidade do seu próprio fazer como professores, coordenadores pedagógicos e gestores.
Por isso, a perspectiva assumida é a formação em contexto, pois “[...] conceitualiza-se como forma de mediação pedagógica para o desenvolvimento profissional praxiológico” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016b, p. 93). Essa noção de desenvolvimento profissional na Educação Infantil foi exaustivamente tratada pelos estudos de Oliveira-Formosinho (2002; 2009; 2016b). A ideia de desenvolvimento profissional é defendida como um “processo contínuo de melhorias das práticas docentes [...], incluindo momentos formais e não formais, com a preocupação de promover mudanças educativas em benefício das crianças, das famílias e das comunidades” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2009, p. 226). A autora diferencia esse conceito da ideia de formação contínua: enquanto a formação contínua se centra no processo ensino/formação, a perspectiva de desenvolvimento profissional focaliza o processo de aprendizagem/crescimento. Segundo Oliveira-Formosinho (2009), o desenvolvimento profissional está intimamente ligado ao desenvolvimento organizacional, curricular e das aprendizagens.
Em tal perspectiva, acredita-se que a formação não prescinde do indivíduo, mas nasce dos saberes de sua experiência, e, por isso, pode-se dizer que é na intersecção entre as diferentes dimensões do desenvolvimento que reconhecemos a participação dos profissionais. Do mesmo modo como não podemos olhar uma criança isolada, também não devemos fazer isso com os professores. A instituição (contexto) de que o professor participa impacta no desenvolvimento profissional, e sua formação e autoformação impactam no desenvolvimento do seu contexto. Logo, aprender a se observar, observar as crianças e observar a própria instituição é, em analogia aos observatórios de astronomia, uma forma de compreender os fenômenos que estão entrelaçados pelas incertezas, provisoriedades, dinâmicas e inacabamentos, que, neste caso, é fazer uma pedagogia da infância.

A natureza organizativa envolve a partilha por um referencial comum

Na natureza de organização do OBECI, partilhar algumas ideias para orientar a prática pedagógica é estruturante. Além de ser uma grande aprendizagem em nível de cooperação, negociação e respeito sobre o percurso de cada uma das instituições que compõe o Observatório, é o que nos conecta e cria um espaço possível de diálogo e de confronto sobre os processos e conteúdos formativos que partilhamos. Por outro lado, isso não significa cancelar as diferenças das escolas porque, ao contrário, essa diversidade é o que torna o encontro dessas instituições uma oportunidade privilegiada para aprender, conhecer, refletir e qualificar a própria experiência.
O conhecimento que emerge do OBECI é resultado da relação pensante entre aquilo que as escolas estão fazendo, a herança pedagógica à qual escolhemos nos filiar, e o modo como estamos refletindo e confrontando o contexto das escolas com as escolhas que fizemos. Por isso, é um conhecimento contextualizado, provisório e fundamentado em um quadro teórico.
Nesse sentido, mesmo na diferença de cada uma das instituições e dos profissionais que compõem o OBECI, também tivemos que encontrar alguns pontos de contato para efetivamente nos constituirmos como uma comunidade de apoio ao desenvolvimento profissional. Assim, desde o princípio, circunscrevemos algumas ideias em comum como guias do nosso trabalho, semelhantes ao que Oliveira-Formosinho (2016b) chama de saliências partilháveis.
No OBECI, nosso quadro referencial se estabelece a partir de modelos pedagógicos e pedagogos das famílias das pedagogias participativas, tais como Loris Malaguzzi e a experiência de Reggio Emilia (Reggio Approach), Elinor Goldschmied, Emmi Pikler e o Instituto Pikler-Loczy, a Pedagogia-em-participação e as contribuições de Julia Oliveira-Formosinho e João Formosinho, John Dewey, Gianfranco Staccioli, Penny Ritscher, Alfredo Hoyuelos. Buscamos, nessa herança teórica, “a ruptura com a pedagogia transmissiva através da desocultação dessa naturalização que está por detrás da perpetuação da pedagogia transmissiva e através da proposição de uma práxis pedagógica alternativa fundamentada em teorias” (FORMOSINHO, 2013, p. 20).
As pedagogias participativas acolhem diferentes modelos pedagógicos, são, por isso, plurais, e, ao contrário da pedagogia transmissiva, é na explicitação do conhecimento em nível da teoria, dos princípios e da ética, que é possível a transformação do cotidiano praxiológico. Nesse sentido, como já afirmou João Formosinho (2013, p. 16), “para a renovação da prática pedagógica das escolas na direção de uma prática fundamentada, é essencial a sua transformação em práxis pedagógica, o que só se pode realizar utilizando pedagogias explícitas.”
Também temos dialogado com outros campos do conhecimento, tais como o Design, a Arte, as Ciências Naturais, a Arquitetura, a Filosofia, a Psicologia. No entanto, nossos diálogos não ocorrem por subordinação a esses outros campos, mas como possibilidade de ampliação e enriquecimento dos debates pedagógicos. Afirmamos a Pedagogia como a ciência que responde à complexidade da escola de Educação Infantil.
Com esse quadro referencial, vamos construindo uma constelação teórica própria que nos ajuda a fundamentar nossa prática e a apoiar nossos diálogos. A explicitação e a contextualização desse referencial é o que tem sustentado a transformação tanto em nível das práticas pedagógicas nas escolas, como na formação dos profissionais e na investigação. Formosinho (2013, p. 16) afirma que “a pedagogia baseia-se num saber práxico organizado em torno dos saberes que se constroem na ação situada, em articulação com as concepções teóricas e com as crenças e valores”. Nesse sentido, a pedagogia que comungamos não se faz por meio de aplicação ou aproximação de teorias, tampouco de uma prática que se fundamenta na ausência reflexiva dos práticos, que acabam se apoiando em um modus operandi assentado na tradição. Mas a pedagogia se faz e se refaz na interatividade de uma práxis contextualizada e fundamentada em uma herança teórica explícita.
Com esse grande pano de fundo das pedagogias participativas, reposicionamos as crianças e os adultos na relação educativa. Por isso, tem sido muito importante compreender quais são as ideias que temos tomado como postulados do OBECI para guiar as reflexões e problematizações que dele emergem. Compreender e significar tais ideias atravessa obrigatoriamente a reflexão sobre a própria prática, sobre o exercício político exercido no cotidiano das escolas. Assim, o que buscamos é criar um espaço legítimo para as dúvidas e perguntas. Talvez, dessa forma, seja possível constituir uma “formação que mobilize os professores, a partir de suas aprendizagens experienciais, providenciando oportunidade de interpretá-las e reconstruí-las por meio do exercício reflexivo individual e coletivo” (PINAZZA 2014, p. 55).
De fato, a pedagogia que buscamos é aquela situada na família das pedagogias participativas, que, em sua pluralidade, reconhece a criança e o adulto como partícipes da construção das suas jornadas de aprendizagem (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007). Uma pedagogia que se desenvolve em companhia sincrônica (com as famílias, com as crianças, com os pares formadores e investigadores) e diacrônica (reconhecendo a herança teórica que nos sustenta) (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2017). Assim, como Contreras (2010, p. 248), busco, enquanto pesquisador e formador, um tipo de pedagogia “[...] que me oriente, que me ajude a construir um sentido do que fazer, que não se apresente como uma resposta metodológica, como um plano de ação”. Por isso, uma pedagogia que não se afasta do saber que nasce da experiência e não se reduza a modelos assépticos e silenciadores. Pelo contrário, “[...] uma pedagogia que não nos roube a pergunta pessoal pelo sentido do que fazemos [...]. Uma pedagogia que, enquanto nos mostra um caminho, não nos tire nenhuma das perguntas que esse próprio caminho vai nos mostrando como respondê-las” (CONTRERAS, 2010, p. 248).

Um estudo nos domínios da investigação educacional praxiológica

A definição de praxiologia, como teoria e estudo da práxis, circunscreve a possibilidade de, simultaneamente, investigarmos o campo, refletirmos e nos engajarmos ética e moralmente com ele (OLIVEIRA-FORMOSINHO, FORMOSINHO, 2012; PINAZZA, 2014; FORMOSINHO, 2016). Assim, a investigação educacional praxiológica estuda os processos da transformação educativa; logo, a práxis é o locus da investigação (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016a; FORMOSINHO, 2016). Práxis é “a ação educativa situada [...], fecundada em saberes teóricos e investigativos, assumindo um sistema de crenças, valor e ética. A práxis é uma ação complexa que procura no cotidiano a ética das relações e das realizações, da participação de todos os atores envolvidos” (FORMOSINHO, 2016, p. 27).
Oliveira-Formosinho (2016a, p. 19), ao referir-se à investigação praxiológica, desvela a relação emergente deste domínio investigativo no que tange à formação, à transformação e à informação: “estamos perante uma estratégia que visa formar para transformar através da investigação da transformação”. A autora, referindo-se à expressão de Boaventura de Souza Santos, destaca que essa tríade possibilita que o conhecimento produzido em uma investigação praxiológica consegue “emigrar para outros lugares cognitivos” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016a, p. 19).
No âmbito da relação entre o investigador e os contextos, nos domínios da práxis, faz-se necessário o alargamento da concepção de investigador. Assim, como afirma Formosinho (2016, p. 29), “na investigação praxiológica, o investigador é o principal instrumento da pesquisa e um ator essencial para a transformação”, pois, ao mesmo tempo, desempenha o papel de investigador e de formador.
No caso específico da investigação que é discutida neste artigo, o investigador assume esse papel de importância como um dos instrumentos da pesquisa, tanto do ponto de vista do papel de formador (que promove e sustenta os processos de transformação), como no papel de investigador (para poder analisar, compreender e restituir o conhecimento praxiológico produzido). A proximidade do investigador é ponto fulcral na investigação praxiológica.
Uma investigação centrada nos processos de transformação da práxis “[...] apresenta fortes exigências ao nível metodológico, pois dirige-se à práxis e à sua transformação” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2016a, p. 22). Responder às demandas do cotidiano pedagógico em nível tanto de investigação como de conhecimento profissional requer a construção de um quadro interpretativo que acolha a complexidade da escola e a complexidade das situações que lá acontecem.
Para empreender tamanho desafio, como se sugere na investigação praxiológica (OLIVEIRA­FORMOSINHO, 2016a; FORMOSINHO, 2016), é necessário ter declarada a intenção da transformação e documentá-la densamente. Como adverte Oliveira-Formosinho (2016a, p. 22), “a documentação informa sobre os processos transformativos, quando analisada e interpretada permite construir conhecimento sobre eles e disponibilizá-lo”, o que confere rigor e atende ao seu intento democrático. Do mesmo modo, a documentação densa dos processos de transformação também inclui as diferentes vozes que a compõem, engajando as diferentes vozes subjetivamente e responsabilizando-as de forma cooperativa e participada.
No OBECI, nossa escolha desde o princípio tem sido o uso da Documentação Pedagógica como estratégia para ver e transformar o cotidiano, reposicionando as crianças e os adultos na relação educativa. Tanto os gestores e coordenadores pedagógicos como os professores observam, registram e interpretam para projetar a transformação em suas instituições. Compartilham para contrastar internamente no OBECI e com seus pares em suas escolas. Comunicam os processos e os resultados das transformações por meio dos processos documentais e das mini-histórias.
Na pesquisem de origem, dois recursos de textos pedagógicos (processos documentais e mini-histórias) serviram para construir a triangulação dos dados e a análise do conteúdo. Também, ao longo dos encontros, foi escrita uma memória que reúne os principais aspectos discutidos. A partir da imersão e dos movimentos de ida e retorno aos dados, foi possível ir construindo a narrativa da construção do conhecimento praxiológico que emergiu dos processos de formação no OBECI.
Esses dados foram submetidos a um longo processo de desconstrução e reconstrução, quer seja para responder à complexidade do estudo em questão, quer seja para poder aprofundar e compreender os fenômenos em uma visão múltipla. Segundo Formosinho (2016, p. 32), “transformar dados brutos em dados de investigação é essencial para credibilizar qualquer investigação. [...] A triangulação de dados densos provenientes de várias fontes permite chegar a uma saturação da informação recolhida”. Na investigação praxiológica, Formosinho (2016) sugere a triangulação dos tempos para reconhecer e compreender os processos transformativos e a triangulação das vozes, como uma visão participativa e democrática deste modo de fazer pesquisa.
Com os dados gerados no OBECI, é possível triangular os tempos, as vozes e as fontes, uma vez que a pesquisa envolve seis anos de estudo, em quatro contextos distintos, com diferentes documentos gerados (processos documentais, mini-histórias e memórias), e estes são elaborados pelos diferentes participantes. Assim, foi possível uma ampla triangulação dos dados para se chegar ao resultado interpretativo partilhado neste artigo.

O conhecimento praxiológico construído no diálogo entre os profissionais e o pesquisador

No decorrer do trabalho desenvolvido ao longo dos seis anos no interior do OBECI, avançamos significativamente em relação à compreensão do tema da Documentação Pedagógica como estratégia central para investigar, refletir e comunicar o cotidiano praxiológico e as aprendizagens das crianças e dos adultos. Na medida em que conseguíamos nos apropriar dessa estratégia, fomos construindo algumas pistas relativas à organização pedagógica.
No OBECI, sentimos a necessidade de ir reconhecendo, nomeando e estruturando isso que chamamos de “Organizadores da Ação Pedagógica”, que surgiu na medida em que íamos percebendo as lacunas do trabalho que se realizava dentro das instituições, a falta de coerência entre a prática dos professores de uma mesma escola e o papel do contexto para a aprendizagem das crianças. Notávamos que os projetos pedagógicos não expressavam e nem induziam um determinado tipo de prática. Aliada a isso, a ausência do debate pedagógico nos cursos de formação também deixava lacunas para práticas sem sentidos para as crianças, transformando-se em um conjunto de tarefas a serem cumpridas.
Os Organizadores da Ação Pedagógica são, assim, uma forma de concretizar as concepções de cuidado e de educação e sintetizar e ou efetivar o projeto pedagógico. Estruturam as concepções e a proposta da ação educativa dos profissionais tanto no campo da práxis como no da formação e podem -quando ativamente discutidos, elaborados e criados por todos os interlocutores envolvidos na sua execução -facilitar a construção de ricas aprendizagens.
Esses Organizadores retomam uma perspectiva interessante de que uma certa ideia de didática pode ser pensada desde as crianças. Como a centralidade do trabalho pedagógico na Educação Infantil deve estar nos meninos e nas meninas, pensar uma didática desde as crianças significa colocar um adulto em relação, auxiliando a desenvolver a sua competência de observação e interpretação necessária para compreender o mundo da criança e ser seu parceiro na construção de significados no e para o mundo.
Seguindo a sugestão de Hawkins (2016, p. 93), a melhor forma de respeitar uma criança é saber traduzir esse respeito na organização do contexto e do ambiente educativo de modo que “[...] potencialize seus interesses e talentos e que aprofundem seu envolvimento na prática e no pensamento”. Compreender os Organizadores da Ação Pedagógica tem ajudado o professor a se movimentar através de elementos que criam conectividade entre o que se diz e o que se faz, transformando-se em uma estratégia para não criar um vácuo educacional, mas atenta para a riqueza e promessa de novidades que os meninos e meninas carregam consigo (HAWKINS, 2016).
Neste artigo, optei por apresentar apenas um dos organizadores, a relação entre adultos e crianças, pois este é simultaneamente condição e resultado dos demais organizadores (espaço, tempo, materiais e grupos).

A relação entre adultos e crianças

Malaguzzi (2001), Hoyuelos (2006), Rinaldi (2012) e Oliveira-Formosinho (2016a) afirmam que, a partir da imagem que temos de criança, construímos nossos sistemas de relação com elas, ou seja, se partimos de uma criança que ainda não é, anteciparemos a ela tudo o que precisa para tão logo “ser”, mas, se nossa imagem de criança está centrada no que ela já é, buscaremos uma posição nessa relação que acolha seu mundo interno e a encoraje para construir significados no mundo que acaba de chegar. Também a partir do nosso imaginário, de nossas crenças, das nossas experiências como aluno, da nossa formação e da nossa cultura, temos uma ou mais imagens sobre o que é ser professor. Nesse sentido, cabem muitas imagens na intersecção entre criança e professor no ambiente da Educação Infantil.
Hoyuelos (2017), em um artigo brilhante sobre a relação adulto e criança, compartilha algumas cenas de professoras que ele admira pela forma como se relacionam com cada menino e menina. Para esse autor, a questão que as une é que cada uma “[...] tem muito claro que o encontro com o outro é de respeito e não de domínio” (HOYUELOS, 2017, p. 12). Escolher o respeito como via da relação com as crianças, além de ser ético, é um ato revolucionário em tempos de tamanha austeridade frente ao outro.

Ser professor de Educação Infantil implica um gesto de grande responsabilidade, que requer, além do domínio pedagógico, metodológico e cultural, uma abertura e disponibilidade para se relacionar com as crianças (CATARSI, 2013). A respeito do professor da primeira infância, Mantovani e Perani (1999) advertem que essa é uma profissão a ser inventada, e, embora se refiram especificamente à creche, creio que o apelo não seja diferente para a Educação Infantil como um todo, como já sublinhado por Rocha e Batista (2015), quando demonstram que ainda a visão médico-higienista e assistencialista é predominante nas práticas dos professores.
É importante lembrar que o debate em torno da relação do professor com as crianças tem efeito no relacionamento com as famílias, abrindo vias de diálogo e de superação de uma postura binária na educação das crianças. Catarsi, nesse viés, destaca que a consciência do caráter “ecológico” e global do desenvolvimento infantil, ao contrário, deve tornar cada vez mais clara a necessidade de uma relação orgânica e continuada, inclusive com as famílias, às quais é preciso dirigir-se com uma postura que inspire segurança e empatia. (2013, p. 10)
Essa visão ampliada e global da criança inclui não apenas a esfera imediata de sua participação, como é o caso da escola, mas os outros contextos dos quais ela faz parte. Assim, desde o ponto de vista que educar as crianças é um processo de co-responsabilização entre família e escola, abrir-se ao diálogo, informar e dar a possibilidade das famílias pensarem sobre o modo como os professores se relacionam com as crianças pode ser o motor propulsor para construir novas imagens de criança na sociedade.
Nesse sentido, destaco três categorias que emergem do trabalho de análise desenvolvido ao longo dos seis anos da pesquisa, a saber: o acolhimento do universo das crianças, o desafio de não criar dependência e abandono e as interações como o coração da pedagogia.

Acolher o universo das crianças

Staccioli define muito bem o sentido de acolhimento quando comenta que este não pode ser um sentimento restrito a um determinado momento do dia ou do ano, mas “um método de trabalho complexo, um modo de ser do adulto, uma ideia-chave no processo educativo” (2013, p. 25). Quando o acolhimento se transforma em uma postura do adulto para estar com as crianças, a lacuna que há entre os dois mundos diminui, mudando, com isso, a hierarquia das relações e dos diferentes momentos da jornada educativa.
Por esse ângulo, organizar o ambiente em termos de espaço, materiais e tempo é a tradução concreta do que significa acolher, já que é preciso efetivar, na vida cotidiana, um modo distinto de estar com as crianças. Da mesma forma, propor situações em pequenos grupos, porque se compreende a natureza organizativa dos meninos e meninas, é acolher as suas necessidades. Não manter centralizado no adulto o pulsar da vida da escola e estabelecer um ritmo que considera as temporalidades das crianças são sintomas de uma transformação que compreende que as relações dos adultos com as crianças podem se dar por outras vias.
Staccioli reforça que “acolher uma criança é, também, acolher o seu mundo interno, as suas expectativas, os seus planos, as suas hipóteses e as suas ilusões” (2013, p. 28). Por isso é que a postura do professor deve criar margens para as crianças levarem a cabo suas ideias e visões sobre o seu entorno e a si mesmas, em se solidarizar e se comprometer com as dificuldades das crianças em expressarem seus sentimentos, auxiliando-as a perceber o que está acontecendo e como podem expressá-las.
Assim, acolher o universo da criança trata-se de uma postura ética frente aos processos de subjetivações dos meninos e meninas que recém chegam ao mundo. É uma abertura do adulto que sabe do valor da esperança de esperar (FOCHI, 2013) cada criança em suas aventuras e desventuras do aprender e, por isso, também compreender seu papel em organizar um contexto que favoreça o acesso ao patrimônio sócio-histórico. Acolher não é uma atitude passiva frente às crianças, mas de alteridade e abertura ao outro.

Não criar dependência e não criar o abandono

Muitas vezes, na busca por um equilíbrio em estar com as crianças, acaba-se caindo em polarizações. Em um dos polos, está a dependência. Do ponto de vista objetivo, ela ocorre por meio do modo pelo qual está centralizada a relação educativa no adulto para que a criança possa realizar qualquer tipo de atividade na escola: depender do adulto que pegue um material que não está acessível, esperar a permissão do adulto para poder brincar depois de uma série de propostas conduzidas, aguardar na mesa do almoço até que todos os colegas acabem de comer para poder ir ao banheiro. Do ponto de vista subjetivo, isso ocorre na relação de interdependência que se estabelece com a criança nos excessos de elogios e aprovações que o adulto cria para satisfazer a criança. Isso gera uma dependência emocional que faz com que a criança só se sinta satisfeita quando o adulto consentiu com a aprovação, não percebendo o seu próprio sentimento frente à situação (TARDOS, 2008).
No outro polo, está o abandono. Nesse ponto, há um adulto indiferente, que se perde entre uma visão romantizada da criança e que supõe que ela pode dar conta de tudo ou de que ela ainda é muito nova para participar, expressar ou compreender algo. Além disso, esse adulto não cria as condições adequadas para as crianças realizarem suas próprias atividades, abandonando-as a sua própria sorte sem fazer nenhum tipo de investimento, sem criar horizontes para elas. Essa é uma visão que não percebe que a criança se desenvolve pela sua participação nos contextos em que está inserida, e, portanto, esses contextos pressupõem interações, acesso aos instrumentos da cultura, diálogos, construção da confiança para realizar suas próprias atividades etc.

Uma  alternativa  a  esses  dois  modelos  pode  ser  encontrada  nos  pressupostos  de  Emmi  Pikler  e  de  suas companheiras  de  trabalho  no  Instituto  Lóczy.  Para  Tardos  (2008),  uma  das  condições  fundamentais  para  a construção  da  autonomia  da  criança  está  na  relação  adulto  e  criança:  “a  criança,  para  sentir  desejo  de  atuar, para  ser  capaz  desta  aprendizagem  baseada  na  atividade  autônoma,  tem  a  necessidade  de  uma  relação profunda,  que  lhe  proporcione  o  sentimento  de  segurança,  condição  necessária  para  um  estado  afetivo conveniente”  (TARDOS,  2008, p. 51).   
Uma  alternativa  a  esses  dois  modelos  pode  ser  encontrada  nos  pressupostos  de  Emmi  Pikler  e  de  suas companheiras  de  trabalho  no  Instituto  Lóczy.  Para  Tardos  (2008),  uma  das  condições  fundamentais  para  a construção  da  autonomia  da  criança  está  na  relação  adulto  e  criança:  “a  criança,  para  sentir  desejo  de  atuar, para  ser  capaz  desta  aprendizagem  baseada  na  atividade  autônoma,  tem  a  necessidade  de  uma  relação profunda,  que  lhe  proporcione  o  sentimento  de  segurança,  condição  necessária  para  um  estado  afetivo conveniente”  (TARDOS,  2008, p. 51).   
Assim, Tardos (2008) destaca dois níveis de impacto que a relação adulto e criança pode gerar na atividade autônoma. O primeiro nível diz respeito aos “[...] aspectos imediatos do comportamento do adulto” (TARDOS, 2008, p. 53), ou seja, significa o adulto perceber a distinção entre os seus desejos e projeções frente aos desejos e necessidades das crianças. A autora toma como exemplo um bebê explorando um objeto e atento à atividade que ele mesmo iniciou, quando o adulto, pela sua necessidade em ter o bebê no colo, desvia a atenção dele, chamando-o ou já o pegando em seus braços. Nesse exemplo, é importante perceber que a necessidade em ter o bebê no colo é do adulto, não da criança. É óbvio que uma das necessidades das crianças é corporal e está relacionada ao contato físico, mas não é a única. Daí que entra o segundo nível, que envolve a forma como a criança é considerada ou identificada frente ao adulto (TARDOS, 2008). Assim como já mencionei anteriormente, que a imagem de criança que temos é um aspecto-chave para o modo como nos relacionamos com ela, para Tardos (2008, p. 55), aqui reside toda a estrutura que estabelecerá o sistema da relação: “a criança é nossa companheira na relação, nossa interlocutora em um diálogo. A criança não é simplesmente o objeto de nossas atenções e afetos”.   
Relacionar-se com a criança como nos relacionamos com outro ser humano pressupõe que ela sente, tem seus desejos e dará sinais das suas necessidades. Nosso papel, portanto, é garantir que ela se sinta capaz de agir e prazer em sua própria atividade, que tenha as condições externas adequadas e que possa reconhecer no adulto um parceiro que lhe oferece segurança e tranquilidade. Esse é o desafio que faz parte da aventura em construir essa trama de relações respeitosa entre adulto e criança.   

As  interações  são o  coração da pedagogia   

Oliveira-Formosinho e Formosinho (2018) comentam que as interações são o coração da pedagogia e o coração da Educação Infantil. Para os autores, “a visão do mundo informa toda a pedagogia da formação das crianças e dos adultos. [...] O alfa e o ômega dos processos formativos é a pessoa [...].” (OLIVEIRAFORMOSINHO; FORMOSINHO, 2018, p. 20). Estou de acordo com os autores em sublinhar a pessoa humana como a centralidade dos processos educativos, em especial, porque isso acentua as interações como dimensão importante na construção do conhecimento, das identidades, do suporte às relações e daquilo que determina o pulsar da pedagogia que acredita na participação e nas relações como a chave para a transformação social.   
A qualidade das interações é um aspecto-chave que diferencia os modos de fazer pedagogia. Conforme Oliveira-Formosinho (2007, p. 17), a pedagogia transmissiva “[...] resolve a complexidade através da escolha unidirecional dos saberes a serem transmitidos e da delimitação do modo e dos tempos para essa transmissão, tornando neutras as dimensões que contextualizam esse ato de transmitir”. Nesse modo de fazer pedagogia, nem a compreensão do que representa o conhecimento, nem a valorização da interação entre os sujeitos e deles com o seu entorno têm lugar de relevância; isso porque a visão de mundo – que é o ponto de partida – é simplista, homogênea e previsível. Já para as pedagogias participativas,   

a interatividade entre saberes, práticas e crenças, a centração nos atores como coconstrutores da sua jornada de aprendizagem em um contexto de vida e de ação pedagógica determinado, através da escuta, do diálogo e da negociação, conduzem a um modo de fazer pedagógico caleidoscópico, centrado em mundos complexos de interações e interdependências, promovendo interfaces e interações (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007, p. 19). 

Pensar na relação do adulto com as crianças, compreendendo a interação como a centralidade da ação pedagógica, não apenas reposiciona os papéis das crianças e dos adultos, como já discutidos nos pontos anteriores, mas muda uma dada visão de mundo e de conhecimento que se coloca mais aberta e receptiva às imprevisibilidades, à negociação e à participação. Pensar na relação entre adulto e criança é pensar em uma dimensão micro, das sutilezas do cotidiano que têm impactos profundos na formação dos meninos e meninas e, também, em uma dimensão macro, que envolve desde uma dada visão de conhecimento e de aprendizagem até uma compreensão ética (que estabelece o modo como as relações acontecem), política (no direito a participar ativamente da vida cotidiana) e estética (pela curiosidade e acolhimento ao mundo das crianças). 

Notas finais

Reivindicar atenção para a dimensão relacional entre adulto e criança como um dos aspectos transversais para orientar o trabalho pedagógico se dá em função da necessidade de afirmação de uma pedagogia que efetivamente reconheça na criança e no professor as suas vias de concretização de um projeto educacional emancipatório, dialógico, democrático e humanístico. Tornar-se professor de criança, atendendo a essa visão relacional e participativa, exige a construção de uma noção de docência que ainda está por ser inventada. Isso porque, como afirma Oliveira-Formosinho (2008), a profissionalidade do professor de educação infantil se diferencia das demais formas de ser professor, pois esta etapa se constrói tendo como referência os conhecimentos, experiências, saberes e afetos à educação da criança. Por isso, sublinhar alguns aspectos que podem orientar os profissionais se faz necessário, já que estamos falando de um jeito de ser professor que muito possivelmente não encontramos na nossa experiência escolar e formativa. Além disso, o fato de as crianças chegarem tão precocemente às instituições de Educação Infantil e permanecerem por tanto tempo nos exige compreender a dimensão ética do papel que ocupamos como iniciadores a esses meninos e meninas recém-chegados ao mundo. 
Problematizar tais aspectos, sobretudo quando estes são emergentes do exercício de reflexão do próprio cotidiano pedagógico, pode nos ajudar a avançar na construção de um conjunto de saberes importantes para o campo da Educação Infantil. Por essa razão, o exercício reflexivo deste artigo destaca pontos importantes para o desenvolvimento de uma dada pedagogia nos contextos educativos, assim como para o desenvolvimento dos processos de formação e da investigação no campo da formação de professores. 

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