Variações na qualidade das interações educador/bebé nas atividades de brincadeira e de rotinas de cuidados


Joana Cadima(a), Sílvia Barros(b), Donna M. Bryant(c), Carla Peixoto(b,d), Vera Coelho(a), and Manuela Pessanha(b)

(a)Faculty of Psychology and Educational Sciences, University of Porto; (b)Polytechnic Institute of Porto, School of Education; (c)Frank Porter Graham Child Development Institute, University of North Carolina at Chapel Hill; (d)Department of Social and Behavioural Sciences, University Institute of Maia

To cite this article: Joana Cadima, Sílvia Barros, Donna M. Bryant, Carla Peixoto, Vera Coelho & Manuela Pessanha (2022): Variations of Quality of Teacher–infant Interactions Across Play and Care Routine Activities, Early Education and Development, DOI: 10.1080/10409289.2021.2023791

To link to this article: https://doi.org/10.1080/10409289.2021.2023791

Atualmente, existe um aumento dos bebés que frequentam a tempo integral os programas de educação de infância (creches) mas a consistência das interações educador/bebé ainda é pouco compreendida.
O primeiro objetivo deste estudo é analisar em que medida a qualidade das interações educador/bebé varia entre os momentos de brincadeira e os momentos de cuidados. O segundo objetivo é determinar os efeitos do envolvimento do educador na qualidade das interações adulto/criança - sendo que o envolvimento do adulto se refere à quantidade de tempo que o adulto passa em comportamentos verbais e não-verbais com uma criança ou com o grupo.
É durante a primeira infância que as crianças desenvolvem as competências sociais, emocionais e cognitivas essenciais (Shonkoff & Phillips, 2000; Trevarthen & Delafield-Butt, 2017; Valloton, 2009; White et al., 2015), através das interações com os adultos, nomeadamente os educadores, com as outras crianças e nas atividades pedagógicas nos programas de educação para a primeira infância (Bratsch-Hines et al., 2020; Broekhuizen et al., 2018; Choi et al., 2019; Howes et al., 2008; NICHD Early Child Care Research Network, 1998, 2006; Pinto et al., 2019). Durante os primeiros anos de vida, as interações com os educadores são consideradas extremamente importantes (Chazan-Cohen et al., 2017; Ereky-Stevens et al., 2018; Shonkoff & Phillips, 2000; Zero To Three, 2010). 
O termo “educare” é cada vez mais utilizado numa visão holística da criança, onde as rotinas de cuidados são consideradas contextos de aprendizagem, que proporcionam um tempo de interação emocional individual (Bussey & Hill, 2017; Rentzou, 2013; Sims et al., 2018). No entanto, vários estudos demonstram que durantes estes momentos existe um foco na ação de suprir a necessidade básica, diminuindo os níveis de sensibilidade e estimulação (Degotardi, 2010).
O papel da brincadeira, altamente valorizado na comunidade científica, é também um tempo desafiante do ponto de vista das interações de qualidade (Loizou & Recchia, 2018) e que merece ser estudado, como forma de identificar barreiras e oportunidades nas interações de alta qualidade.
O nível de envolvimento do adulto é muito importante para as interações de alta qualidade. É necessária a presença física e emocional do adulto, onde observa, escuta, repara nos interesses das crianças (Dalli et al., 2011; Loizou & Recchia, 2018; Pauker et al., 2018).
O método deste estudo apoiou-se na observação de 90 salas de creche, com crianças com menos de 1 ano, na área metropolitana do Porto. Cada uma das 90 salas tinha um adulto responsável e pelo menos um auxiliar, para um total de 90 responsáveis e 148 auxiliares; 28 salas tinham como responsável uma educadora de infância (ensino superior) durante todo o dia ou parte do dia - 13 não estavam a tempo inteiro. Nas restantes 62 salas, 24 salas tinham uma responsável com o ensino secundário, 31 o ensino básico e 7 com o primeiro ciclo. Todas eram mulheres e , menos uma, eram portuguesas. Tinham em média 8,36 anos de experiência. As idades variavam entre os 20 e os 64 anos. Observadores treinados, observaram durante 3 a 4 horas as manhãs nas salas. As observações incluíam diferentes situações, estruturadas ou não estruturadas, brincadeiras e cuidados (alimentação, higiene, sestas). A qualidade das interações educador/criança foi medida utilizando o CLASS - Infant (Hamre et al., 2014), uma escala que inclui quatro dimensões: o Clima Relacional, a Sensibilidade do Educador, a Exploração Facilitada e o Suporte ao Desenvolvimento da Linguagem. O OSAI (Observation System of the Activities and Adult Involvement, Cadima et al., 2013) foi utilizado para medir o envolvimento dos educadores com as crianças em tempos de brincadeira, de mudança de fraldas e alimentação. Os dados foram extraídos em quatro ciclos de observação em cada uma das 90 salas.
Nestes ciclos de observação os professores exibiram níveis moderados de Clima Relacional e de Sensibilidade e níveis baixos de Exploração Facilitada e de Suporte ao Desenvolvimento da Linguagem. A qualidade das interações foi mais baixa em todos os domínios da CLASS nos tempos de cuidados e tempos mistos (brincadeiras e cuidados), do que em tempos de brincadeira. Nos tempos de brincadeira os educadores mostraram-se mais sensíveis às necessidades das crianças, mais facilitadores da exploração e estimulavam mais o desenvolvimento da linguagem. 
Como foi sugerido (Degotardi, 2010; Degotardi & Davis, 2008), durante as rotinas os educadores podem-se focar mais na satisfação das necessidades do que nas interações calorosas e sensíveis. Pesquisas anteriores descobriram que as narrativas dos educadores em torno das rotinas eram menos elaboradas (Degotardi & Davis, 2008) e incluíam menos justificativas teóricas e de desenvolvimento (Brownlee et al., 2000) do que aquelas em torno da brincadeira. Sendo assim, é possível que os educadores ignorem as oportunidades de aprendizagem e construção de relacionamentos nas rotinas e baixem as expectativas em relação aos interesses das crianças e tentativas de comunicação durante esses momentos (Degotardi, 2010). Além disso, o tempo restrito para algumas das rotinas ou a organização espacial da sala podem limitar práticas e o respeito pelas preferências e necessidades individualizadas da criança (Thorpe et al., 2020; Guedes et al., 2020; Salamon et al., 2016). De ressaltar, que durante as rotinas aumentava o número de bebés na sala o que aumentava a necessidade dos educadores em atender simultaneamente vários bebés (como na hora do almoço). Além disso, embora não exclusivamente, quase metade das rotinas observadas eram à hora do almoço. No entanto, como vários autores afirmam, as rotinas também devem ser vistas como oportunidades privilegiadas para a aprendizagem precoce (Bussey & Hill, 2017; L. Gillespie & Peterson, 2012; Loizou & Recchia, 2018; Zero a Três, 2010). Durante os momentos de cuidado, os adultos são frequentemente envolvidos em interações um-para-um e, portanto, podem se conectar, interagir, comunicar e construir relações íntimas e relacionamentos sólidos com cada bebé. As rotinas de cuidados são momentos de desenvolvimento apropriados para estimular e apoiar holisticamente a aprendizagem infantil, pois estão em sintonia com as necessidades individuais e interesses do bebé (L. Gillespie & Peterson, 2012).
O envolvimento do adulto está positivamente relacionado com todos os domínios da CLASS e explicou 6%–18% da variação no nível do ciclo para as dimensões da CLASS. As conclusões mostraram que o envolvimento do adulto não está apenas relacionado com a qualidade das interações, mas também com as diferenças de qualidade entre a brincadeira e os cuidados. As conclusões deste estudo estão entre as primeiras a fornecer suporte empírico para a importância do envolvimento do adulto na sua capacidade de atender às sugestões do bebé sobre o seu estado emocional e interesses cognitivos e fornecer respostas apropriadas (Dalli et al., 2011; White et al., 2015).
Os níveis de envolvimento foram de baixo a moderado. Essa descoberta é particularmente relevante para a melhoria da qualidade, pois sugere que há salas onde aumentar o tempo de envolvimento dos professores com os bebés, pode ser o primeiro passo para melhorar a qualidade das suas interações.
Os altos níveis de Exploração Facilitada são caracterizados pelas tentativas dos educadores em manter o foco na criança, permitir que as crianças escolham e proporcionar oportunidades de exploração, combinadas com a expansão consistente da experiência dos bebés, ou seja, por meio de encorajamento físico e verbal e ajuste de materiais (Hamre et al., 2014; Jamison et al., 2014). A agência dos bebés pode ser mais reconhecida, respeitada e estimulada nos momentos de brincadeira (Degotardi & Davis, 2008).
Embora não tenha sido o objetivo do estudo, é importante mencionar como o número de adultos na sala afetou os resultados. Um maior número de crianças foi relacionado a níveis mais baixos de clima emocional e sensibilidade do professor . Surpreendentemente, o número de adultos na sala esteve negativamente ligado ao Clima Relacional e ao Suporte ao Desenvolvimento da Linguagem. Possíveis razões para a negativa associação são que um número maior de adultos pode resultar em maior inconsistência e colaboração entre os adultos, mais conversa adulto-adulto do que conversa adulto-criança e o facto de geralmente o pessoal adicional ser não qualificado (Katsiada et al., 2018), interagindo de forma inadequada e sem conhecer os bebés.
Em suma, os resultados do presente estudo mostraram que a qualidade das interações educador/criança foi maior durante os momentos de brincadeira, em comparação com os momentos de cuidado. Além disso, os resultados destacam que tanto a qualidade quanto a quantidade de envolvimento do educador com as crianças são cruciais para a alta qualidade das interações. As conclusões chamam a atenção para a importância de considerar a variabilidade intra-salas e de dar maior ênfase aos momentos de cuidados, para que uma abordagem holística em que o cuidado e a educação se entrelaçam possa ser realizada.







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