Carta aberta a todas as associações, organismos e pessoas individuais que colaboram com a Educação de Infância

(Revisão da Carta publicada originalmente no Facebook do Movimento Cívico pela Educação dos 0 aos 3, a 18 de Maio de 2020)

A educação de infância teve uma enorme evolução em Portugal desde o 25 de Abril de 1974 e especialmente na década de 90. A necessidade de “guarda” das crianças transformou-se numa mais valia para a sociedade, para as famílias e para as crianças – a Educação de Infância.

Os educadores foram “promovidos” a docentes. No entanto, houve um parente pobre que ficou para trás: a creche e os seus profissionais. Esta valência, na qual é exigida educadores com a mesma qualificação que no Jardim de Infância, não é reconhecida como educação. Não faz parte da Lei de Bases do Sistema Educativo: “O sistema educativo compreende a educação pré-escolar, a educação escolar e a educação extra-escolar” (art. 4º).


Isto tem repercussões a vários níveis:

Social e educativo:

- As creches continuam a ser relegadas para um plano apenas de “cuidados” e de apoio social, menosprezando a importância da educação na primeira infância (0 aos 3 anos). “Portugal confronta-se com o mesmo desafio de outros países – adotar e desenvolver políticas ambiciosas de apoio à primeira infância, que deem a possibilidade de escolha às famílias e lhes proporcionem condições de acesso a serviços de qualidade que favoreçam um ambiente protetor para a criança e estimulem o desenvolvimento das suas capacidades.”(Idália Moniz, Educação dos 0 anos 3, CNE, 2010).

- Existe na valência de creche uma forte vulnerabilidade de um trabalho descontinuo, provocada pela crescente transição de profissionais de qualidade que procuram ver garantidos os seus direitos e regalias cumpridos, como por exemplo na valência de jardim de infância.

Direitos dos educadores em creche:

- Aos educadores de creche não é possível revelar o tempo de serviço para efeitos na progressão da carreira docente, criando desigualdades na candidatura dos educadores de infância ao concurso nacional de professores (este ponto será considerado para o concurso nacional de professores 2024/2025).

- Os educadores de creche têm ainda um limite na tabela salarial que é atingido ao 16º ano de trabalho prestado. Associadas a estas questões, existem também desafios relacionados com baixas remunerações e disparidades de género, especialmente relevantes no setor privado, setor este com muito impacto nesta valência.

- A necessidade de uma formação inicial que valorize o trabalho na valência de creche e que contribua para práticas pedagógicas de qualidade.

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As creches são, como se pode assistir nesta fase de pandemia por Covid-19, essenciais ao funcionamento da sociedade. Merecem, portanto, um tratamento digno e de excelência. Precisam de ser reconhecidas como elemento do processo educativo. Só assim se poderão melhorar as condições de trabalho, as condições gerais das nossas creches e a qualidade dos serviços prestados. “Trabalhar de forma qualitativamente superior em creche, junto de crianças muito pequenas, requer conhecimentos específicos, competências e uma planificação apropriada, sustentada no conhecimento do desenvolvimento nos primeiros anos de vida e envolvendo muita flexibilidade para responder às necessidades de cada criança e família.” (Gabriela Portugal, Educação dos 0 anos 3, CNE, 2010)

Todavia, os educadores em creche têm já funções pedagógicas e educativas, nomeadamente a elaboração de projetos pedagógicos de creche e de sala, planos individuais ou avaliações.

Desta forma, esta carta pretende incentivar à participação de todas as associações, organismos e pessoas individuais que partilham o valor da importância da educação de infância, com especial ênfase na educação dos 0 aos 3. Temos de unidos, conseguir acender este debate. Só assim poderemos oferecer às creches, aos seus trabalhadores e às crianças as condições favoráveis ao desenvolvimento de um trabalho de cada vez maior qualidade.

“O direito à creche é um direito a ser reconhecido, não apenas porque é necessário apoiar as famílias que trabalham mas, porque a creche, enquanto serviço educativo, tem em si mesma, um valor intrínseco e pode contribuir para o desenvolvimento das crianças, sobretudo das mais desfavorecidas e que são as que, num estado que afirme princípios de equidade, mais devem beneficiar de estruturas de superior qualidade.” (Teresa Vasconcelos, Educação dos 0 anos 3, CNE, 2010). O movimento que aqui propomos, visa criar espaços para debater esses mesmos desafios e estimular diálogos e ações políticas e educativas que respondam a essas necessidades.


Em prol das crianças, do futuro e dos profissionais. Pela unificação da educação de Infância.


Às pessoas singulares (pais, avós, familiares, encarregados de educação):

Defendam os interesses das nossas crianças. Ajudem a reconhecer a educação dos 0 aos 3, promovendo a unificação da educação de infância dos 0 aos 6 anos como um período único na vida da criança e de fundamental importância para o desenvolvimento e aprendizagem. Ajudem a fazer desta valência um direito de todos. Encarem a educação dos 0 aos 3 como os profissionais (educadores e auxiliares) que nela trabalham: com rigor e objetivos pedagógicos, com intencionalidade educativa e com vontade de serem reconhecidos por esse trabalho.

Não permitam a degradação da qualidade das creches, com as medidas recentemente legisladas, tais como o aumento do número de crianças por grupo.


Aos profissionais e instituições que diariamente apoiam o trabalho em creche (terapeutas, psicólogos, psicomotricistas…):

Acompanhem-nos nesta caminhada pela unificação da educação de infância (dos 0 aos 6 anos), pela criação de uma autentica Intervenção Precoce, que procure responder às reais necessidades das crianças.


Aos grupos ideológicos e políticos:

Promovam a criação de condições para um trabalho de cada vez maior qualidade na educação de infância. Permitam que as crianças usufruam do seu direito à educação, em consonância com a Recomendação nº3/2011 (há 9 anos) do CNE e com as Recomendações do OCDE – Early Childhood Education (2014). Também o Starting Strong II da OCDE (2006) definiu como “boa prática” a integração das políticas educativas para a a infância (o aos 6 anos) num mesmo ministério, favoravelmente o da Educação.

Façam desta luta também a vossa, terminem o que foi começado quando se criaram condições para o reconhecimento político da educação de infância como ação crucial na democratização da sociedade portuguesa (Sousa,2017). Apesar do longo caminho percorrido é preciso um reconhecimento político, educativo e social de que a educação não começa aos três. Assumam a responsabilidade política de um estado democrático reconhecedor da educação ao longo da vida e introduzam na agenda política esta “democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efetiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares” (art.2, Capitulo I da Lei de Bases do Sistema Educativo).

Defendam a igualdade de género, numa classe que é maioritariamente composta por mulheres (99,1% em 2016, de acordo com o Seepro-r). Mulheres, que provavelmente, por sobrecarga emocional e física, acabaram por deixar cair em terra os seus direitos.


Aos sindicatos:

Lutem por esta classe que é uma minoria na classe docente – os educadores de infância. Lutem pelos direitos e deveres dos educadores em creche como profissionais de educação com as qualificações (Nível 7) mais altas da Europa (Seepro-r, 2018).

É com pesar que se viu nos últimos anos, o enfraquecimento destes direitos, com o acordo dos novos contratos coletivos de trabalho, onde era estabelecido o impedimento dos educadores em creche (considerados sem funções educativas) de ascender ao topo da carreira. Não reneguem os direitos desta minoria de profissionais da classe docente.


Aos organismos do Ensino Superior:

A todos que ajudaram a formar os educadores de infância, que valorizam e transmitem aos seus alunos a importância da educação dos 0 aos 6; a todos que fizeram estudos, teses, artigos que comprovam a sua relevância para a formação dos indivíduos. Juntem-se a este movimento.

Não permitam que a formação inicial dos educadores de infância, não aborde a valência de creche e as suas especificidades.


Às associações que fomentam o respeito pelos direitos das crianças:

juntem-se numa só voz, numa luta que é de todos: profissionais, pais, sociedade. Reconheçam e dignifiquem o trabalho que é feito pelas instituições que trabalham com a faixa etária dos 0 anos 3 anos. Ajudem-nos na luta pela da unificação deste setor educativo (dos 0 aos 6 anos de idade).


Adiram ao Movimento Cívico pela Educação dos 0 aos 3 no Facebook e no Instagram.


Associem-se a esta causa, participando nas ações que vão ser dinamizadas. 

Partilhem. Contribuam com ideias e sugestões. 

Ajudem a que este assunto entre na agenda pública e política nacional, alertando a sociedade para este assunto que é de todos.

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